Fundação de assistência ao hospital foi proibida de dispensar imotivadamente enfermeira que a processou.

Mais de duas dezenas de profissionais de enfermagem de Ribeirão Preto obtiveram na Justiça do Trabalho decisões liminares que obrigam a Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Faepa) e o próprio hospital a pagarem o piso nacional da enfermagem previsto na Lei 14.434/2022.

Em decisões com teor similar, os juízes do Trabalho José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva e Andressa Venturi da Cunha Weber, titular e substituta da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, determinaram o pagamento do piso da enfermagem “com as diferenças devidas a partir de maio de 2023, inclusive 13º salário, providência esta que deverá ser implementada em folha de pagamento da autora, no caso concreto, no prazo máximo de vinte dias”.

Além disso, oficiaram o Ministério Público do Trabalho (MPT), “para que promova a instauração e procedimento apto a apurar se os fatos narrados [possível não observância do piso] ensejam medida de sua competência”, além do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Conselho Estadual de Saúde, “para que seja apurada a ausência de repasse da verba já transferida à reclamada”.

Os magistrados afirmam que o governo federal e o governo estadual, nos limites de suas competências, efetuaram os respectivos repasses dos valores para o pagamento do piso da enfermagem a partir de outubro de 2023, para que fossem quitadas as diferenças devidas desde maio.

Mas, dizem os juízes, “para alguns empregados, a implementação foi efetuada em valores menores do que o devido; outros, nada receberam, muito embora a fundação e o hospital (HC) tenham se utilizado dos dados de todos os empregados para que o governo federal compusesse o valor dos repasses”.

“A atitude do HC é, no mínimo, desrespeitosa com os profissionais que realmente “carregam o piano” para o sucesso da prestação de excepcionais serviços de saúde a uma numerosa população, de todo o país, que para cá acorre em situações as mais complexas envolvendo problemas de saúde”, afirma a juíza Cunha Weber. “São os enfermeiros e, sobretudo, os técnicos e auxiliares de enfermagem, também contratados por meio da reclamada FAEPA, que, mesmo com salários que não condizem com sua imensa responsabilidade e altíssima demanda de serviços, dão o máximo “suor” para que aquele grande hospital não entre em colapso”, escreveu o magistrado Oliveira Silva.

“O não repasse imediato da verba vinculada que lhe foi destinada, para o pagamento das diferenças salariais a esses profissionais, afronta a dignidade humana destes, podendo até implicar em prática delituosa, quiçá de apropriação indébita, ou crime de responsabilidade por desvio da finalidade da verba objeto de repasse pelos governos federal e estadual”, escreveu a juíza Cunha Weber em uma das decisões liminares.

Em outras dezenas de ações, o juiz Paulo Henrique Coiado Martinez, da 2ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, determinou que a Faepa não pode dispensar imotivadamente os profissionais que a processaram.

As ações foram ajuizadas pela advogada Danila Borges, do Nogueira e Borges Sociedade de Advogados, que questiona a integração de uma verba chamada Prêmio de Incentivo (PIN), já anteriormente paga, aos salários dos funcionários da Faepa. Para a advogada, é evidente que a Faepa “decidiu incorporar o PIN ao salário base para deixar de pagar o complemento do piso previsto pela Lei 14.434/2022, dito de outro modo, alterou de forma ilícita o contrato de emprego, o que é vedado nos termos do artigo 468 da CLT.”.

O juiz Martinez concordou com a argumentação ao afirmar que “a despeito de repasse vultoso de verba para o custeio do novo piso salarial, pretende a reclamada integrar ao salário dos seus empregados verba de expressa natureza indenizatória, importando em nítido prejuízo salarial daqueles”. Apesar disso, o magistrado concedeu apenas a liminar para impedir que os profissionais de enfermagem sejam dispensados imotivadamente, pois “os demais requerimentos serão apreciados em audiência, após o contraditório”.

Em outras varas trabalhistas de Ribeirão Preto, como na 1ª, 3ª, 4ª e 5ª Varas, os juízes têm negado os pedidos de liminares, dentre outros fundamentos, com base no poder de cautela e em respeito ao contraditório. A juíza Marcia Cristina Sampaio Mendes, da 5ª Vara de Ribeirão Preto, por exemplo, considerou “robustos” os argumentos apresentados pela advogada dos profissionais de enfermagem, mas afirmou que há a “a necessidade de se calcular importâncias salariais individualmente, levadas em consideração as muitas particularidades de cada caso concreto, de sorte que necessária a abertura de contraditório, a fim de possibilitar, inclusive, a análise dos pagamentos já realizados”.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) investiga os fatos em um procedimento investigatório, ainda em fase inicial.

Procurada, a assessoria de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e da Faepa enviou a seguinte nota à redação:

A Lei nº 14.434/2022, que alterou a Lei nº 7.498/1986, para instituir o piso salarial nacional do Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Auxiliar de Enfermagem e da parteira, estabelece os valores abaixo dos quais aqueles profissionais não poderão receber dos empregadores, no cumprimento de jornada integral de 44 horas semanais ou 08 horas diárias, na forma do art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal e do art. 58 da CLT, conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (Orientação Jurisprudencial TST nº 358) e interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 7.222).

A remuneração paga pela FAEPA, por já superar o piso salarial instituído pela citada lei, não resultou em nenhum impacto financeiro, motivo pelo qual não foi apurada diferença a ser paga para adequação salarial.

Embora a FAEPA esteja enquadrada entre as entidades que prestam acima de 60% de serviços ao SUS, o uso do valor da Assistência Financeira Complementar oferecida pela União, na forma da Portaria GM/MS nº 1.677, de 26 de outubro de 2023, está atrelado, necessariamente, à comprovação do real impacto financeiro sofrido pela entidade para adequação dos rendimentos pagos aos seus funcionários ao Piso estabelecido pela lei. Bem por isto, houve a oportuna devolução do valor a ela repassado com base em estimativa aleatória inicial, na forma das orientações recebidas dos órgãos responsáveis pela operacionalização e monitoramento das transferências de valores (SES/SP).

Todas essas informações, acompanhadas dos devidos demonstrativos, foram juntadas pela Fundação nos autos das Reclamações Trabalhistas e das representações encaminhadas pela patrona dos Reclamantes ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público do Trabalho.

Ainda não houve, nem no âmbito judicial nem administrativo, nenhuma análise ou decisão terminativa sobre a matéria.

As ações mencionadas nesta reportagem tramitam no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) com os números 0012083-32.2023.5.15.0153, 0012139-65.2023.5.15.0153, 0011696-59.2023.5.15.0042 e 0012046-28.2023.5.15.0113.

Fonte: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/juizes-mandam-hospital-das-clinicas-de-ribeirao-preto-pagar-o-piso-da-enfermagem-18012024             Acesso em: 06.Jan.24.